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Design para futuras gerações

Os objetos de desejo estabelecem uma cultura de consumo no mundo moderno. É a partir deles que nos cercamos em grupos ou acendemos para outras classes. Iniciamos uma corrente desenfreada pelo consumo de coisas que nem sabemos se vamos usar de verdade. O design surge como um “ímã” que nos atrai para o consumo e muitas vezes não sabemos como nos desgrudar desse assédio, criamos e convivemos em um imenso “lixão” de objetos possivelmente descartáveis.

Através do design nos comunicamos, fazemos história até na forma de como nos expressamos, criamos identidades, corporações, organizações, impérios. O design descobre soluções para o cotidiano, nos sinaliza caminhos, nos envolve, organiza vidas e cidades. A praticidade, a agilidade e o “encurtamento” do tempo formaram os briefings de muitos objetos, máquinas, mapas ou signos da atualidade.

O design hoje tem um papel social na vida das pessoas e com o mundo, aos poucos se volta para as questões sustentáveis, se desligando de materiais menos recicláveis como o plástico, que outrora nasceu no século XX para dar mais agilidade na produção industrial, e por ser mais fácil de acomodar, empilhar. Em outros tempos o design se apropriava desses substratos químicos para tentar substituir outros materiais de objetos similares, por argumentos sedutores como o preço, a forma, a cor e o perfume. Daí nasceram as flores de plástico que se mantinham mais tempo “vivas”, os depósitos de alimento que eram mais fáceis de guardar e conservar alimentos e as cadeiras moldadas em PVC, que eram mais leves e fáceis de limpar. Com o tempo as pessoas começaram a ter aversão ao plástico na medida que estes foram envelhecendo e “desbotando”. A convivência com o plástico não substituiu o pushiness de alguns elementos nobres como o aço, a madeira e o vidro, mas o acúmulo de sujeira nos utensílios plásticos e a preocupação com o descarte destes objetos levaram o design a resgatar soluções abandonadas em outros tempos. O design se voltou para os bens mais duráveis e recicláveis, mesmo que a indústria do consumo ainda esteja ampliando em progressão geométrica a produção de produtos plásticos.

Ainda continuamos cercados pelos plásticos, nas placas do metrô, nas divisórias dos banheiros, nas cobertas dos assentos. O plástico aparece como o principal significado da “era do consumo”. As novas gerações começam a questionar o uso excessivo desses materiais, começam a comprar camisetas oriundas de garrafas pet, refrigerantes com vasilhames de vidro e a experimentar produtos confeccionados com materiais mais nobres e de fácil decomposição e reciclagem. Mas essas ações e comportamentos são muito tímidos em relação à velocidade ao que consumimos ou destruímos para gerar outros bens de consumo.

O problema maior do mundo hoje, e que acaba envolvendo o design, é que as grandes corporações querem mais súditos, escravos para os seus produtos, querem mais design para os novos lançamentos, para as novas versões. Ditam as regras do governo, criam um discurso “camuflado” para acreditarmos que “isso” é bom para a economia e para o crescimento das cidades. Com isso os recursos naturais vão se extinguindo e nas últimas décadas perdemos 1/3 desses recursos. Estamos acabando com os rios e a água potável. A pesca desenfreada e a extinção de grandes florestas estão abreviando o tempo de vida do planeta, e o pior é que alteramos hábitos de vidas só para provocar o consumo, como em comerciais publicitários que utilizamos todos argumentos do design para dizer às mulheres de baixa renda do nordeste, que antes lavavam suas roupas, passassem a usar máquinas de lavar (de plástico) cada vez mais baratas e que utilizassem o seu tempo de sobra para cuidar da vaidade. O que para essas mulheres era valor “enxergar” a casa limpa só se as roupas estivessem também limpas, agora, lavar roupa passa a ser uma tarefa desgastante, e começam a ver a máquina de lavar como “uma grande amiga”, e daí esquecem que estão gastando mais água potável, mais energia e adicionando mais produtos químicos a suas lavagens. Estamos alterando os ciclos e até contaminando o leite do peito dessas mulheres, estamos nos contaminando e nos envenenando em cadeia. O governo deixa de desempenhar o principal papel que é de cuidar, guardar e proteger e passar a ser coadjuvante das ações das empresas de consumo.

Nós, como escravos do consumos, nos cercamos de objetos que possivelmente podem traduzir a nossa colocação na pirâmide social. Quando compramos um Iphone e ou uma quantidade enorme de produtos irmãos da marca, acreditamos que somos descolados e “senhores” da tecnologia; quando compramos bolsas, malas e sapatos da Hermes, achamos que estamos próximos da Rainha Elizabeth; quando encostamos Ferraris, Lamborghinis em nossas garagens, acreditamos que também somos corredores tão ousados quanto Felipe Massa ou Fernando Alonso. O design entra como função principal e social nesses movimentos, ele nos estimula, nos provoca de intermináveis maneiras e tempo, nos obriga a estamos sempre atualizados à forma. Essa ferramenta nos deixa dependentes e nos transforma em zumbis do consumo, geradores de lixo, porque 99% do que consumimos ou processamos vira dejeto em menos de seis meses.

Hoje consumimos mais que há cinquenta anos atrás e aumentamos a nossa expectativa de vida para quase o dobro, mas em compensação vivemos muito menos o tempo do que os nossos avós. Gerações de governantes do século XX argumentaram que para os países viverem melhor e mais ricos deveríamos comprar mais e descartar mais, e a consequência disso foi que a pessoas ficaram muito mais infelizes do que há cinco décadas atrás, e saúde e a educação se tornaram matérias tão desinteressantes quanto os assuntos ecológicos. Assim como aconteceu com Colin Beavan, que divulgou para a imprensa um projeto de redução do consumo ao básico e quase foi morto, aconteceu com vários compradores, do primeiro carro elétrico produzido na década de 90 pela General Motors: o EV1, que também foram ameaçados e tiveram seus carros sequestrados com e sem o apoio do governo, porque o produto iria impactar no consumo de combustível do Estados Unidos e os principais alvos seriam as empresas de petróleo americana, financiadoras das campanhas eleitorais dos seus presidentes.

A produção de bens de consumo cresce e estimula as populações na mesma ordem de grandeza em que as empresas investem em velocidade de produção, e para caber tudo isso nos espaços em que vivemos, a indústria se obriga, agora, a produzir equipamentos menores, geladeira menores e carros minúsculos e consequentemente estimula o descarte dos outros de tamanhos maiores. É fácil encontrar computadores, geladeiras e TV’s espalhados em lixões em perfeito funcionamento. O europeu passa a viver em menores espaços e em carros que parecem chaveiros, eles acabam sendo muito mais felizes e saudáveis do que os americanos, que ainda não acordaram e nem questionaram sua maneira de viver e de se comportar. Estamos sendo abduzidos pelo tempo online das TV’s e dos gadgets tecnológicos. Não há tempo a perder para um bom livro ou um passeio num parque, entramos num ciclo vicioso de trabalhar-assistir-gastar-trabalhar para pagar o que gastou. Podemos viver com muito menos do que gastamos e poderíamos ser bem mais felizes se as energias fossem guardadas assim como o dinheiro, mas não. Construímos shoppings, com lojas e restaurantes colados para que o cliente não perca tempo em se deslocar de uma loja a outra e, assim, o consumo é garantido e ampliado.

Antigamente, como diziam os nossos avós, os relógios, telefones e geladeiras duravam décadas, às vezes até passavam de pai para filho; hoje, os materiais podem até durar o mesmo tempo, mas a “máquina” do consumo não permite que você o tenha por tanto tempo, por isso lançam produtos de estação, que duram só enquanto estiver na moda, ou com maior tamanho de memória ou resolução de imagem. A ordem é comprar mas descartar também. Como publicitários, estimulamos a compra através da mídias digitais e impressos, nos apropriamos dos grids, fontes, cores e imagens e formulamos um design gráfico vitorioso para impactar o futuro comprador. Como design, melhoramos a forma, orgânica ou concreta, para forçar a substituição do velho pelo novo.

As pessoas acham que são felizes quando compram aquilo que desejam, mas imediatamente depois, aquela realização perde a força, no dia seguinte já estamos novamente tristes porque não compramos a outra “coisa” que agora passa a encabeçar a lista de desejos. Podemos ser livres para ser quem somos, mas essa decisão se torna difícil à medida em que para nos destacarmos ou nos inserirmos em um contexto social, precisamos ter posses para nos exibirmos. Antes tínhamos uma TV na sala, e só, hoje lotamos as nossas dependências com várias TV’s de formatos iguais ou diferentes. A Coca-Cola lança a cada mês latas com motivos diferentes para estimular o consumo e formar grupos de colecionadores. Cada vez que produzimos mais geramos o aumento do CO2 na atmosfera, mais calor produzimos por nossas indústrias, carros, caminhões, e esse aumento de calor e de CO2 já ultrapassou o limite previsto para uma mudança climática do planeta, e os governantes não se sentem pressionados a tomar nenhuma atitude colaborativa para a preservação e a sustentabilidade do planeta.

Nos países mais ricos estamos vivendo uma epidemia do consumo, e também dos descarte, e os países mais pobres estão sofrendo por ter seus espaços depredados pelo consumo dos grandes e muitas vezes tendo que “engolir” os dejetos que não cabem em seus territórios.

Cabe a nós, designers, a missão de propor e construir produtos que ultrapassem o modismo, que sejam atemporais, sustentáveis, atualizáveis na mesma forma e embalagem, que vençam as intempéries, que sejam ícones de sustentabilidade, que se aproveitem de materiais recicláveis ou reciclados, que não provoquem movimentos para um novo consumo, que respeitem suas regiões e hábitos de vida de cada lugarejo, vila ou cidade. Podemos articular as aspirações coletivas nos traços de um cartaz, como fez o construtivismo de forma emblemática para o design, ou simplesmente ser revolucionário e único quando planejamos um mapa de metrô. Devemos, como função primeira, ser o intermediador entre os valores tangíveis e intangíveis da nossa geração, temos uma função social de construir um mundo muito melhor através do desenho criativo e sermos muito melhores do que as gerações anteriores. Podemos tangibilizar ideias visualmente por meio de um design gráfico ou através de um produto. Podemos construir um caminho positivo para as futuras gerações.

imagem do templo Angkor Wat, Camboja


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